Os números são prévios e podem sofrer alterações no consolidado.
Fantástico exibe reportagem com denúncia sobre saúde pública de Araci
Na noite deste domingo (08), o fantástico fez uma grave denúncia contra a saúde pública do município de Araci.
Confira na íntegra a matéria completa (aqui)
A saúde dos brasileiros é motivo de negociação por
baixo dos panos. As propinas começam em 10% e são pagas, claro, com o
dinheiro de seus impostos.Em 2012, o Governo Federal aplicou quase R$ 38
bilhões na saúde dos municípios brasileiros. Só para o atendimento
básico, feito nos postos de saúde da família, serão R$ 16 bilhões até o
fim deste ano.Os valores entram direto nas contas das prefeituras. E a
maioria dos municípios prefere usar essa verba na contratação de
cooperativas médicas e organizações sociais, para que estas se
encarreguem do serviço de saúde.
O Fantástico percorreu regiões do interior do Brasil para investigar
se esse dinheiro está sendo bem gasto e se a população é atendida como
merece.
Repórter: É difícil conseguir atendimento lá no posto?
Damiana: É difícil.
Repórter: A senhora já tentou muitas vezes?
Damiana: Umas quatro vezes e não consegui.
Damiana
mora em um povoado do município de Araci, interior da Bahia. Ela
precisa mostrar a um médico o eletrocardiograma que fez há quatro meses
no hospital da cidade. É uma caminhada de seis quilômetros com o sol a
pino até o posto de saúde mais perto de sua casa. Duas horas depois,
quando chega ao posto, a decepção de sempre: as fichas de atendimento
tinham acabado.
Em Araci, quem cuida da gestão dos profissionais da saúde é uma cooperativa médica.
O objetivo nesse tipo de contratação é evitar a burocracia e agilizar
o atendimento médico no país. Quando surge a necessidade de preencher
uma vaga, a cooperativa leva um profissional dela para ocupar o lugar.
Sem isso, a prefeitura teria que abrir um concurso. O que vamos mostrar
nesta reportagem é que o modelo tem falhas. E que muitas vezes elas
começam a aparecer já na assinatura dos contratos.
Durante duas semanas, o Fantástico ocupou duas salas de um prédio
comercial em Salvador. O repórter Eduardo Faustini se apresentou como um
representante de um grupo de prefeituras. Foi assim que ele recebeu
diversas propostas irregulares de cooperativas médicas e organizações
que atuam na área da saúde. Nenhum negócio foi fechado, mas todas as
conversas foram gravadas por câmeras e microfones escondidos.
Para fazer um contrato emergencial, não é preciso fazer concorrência
entre cooperativas. Basta convidar uma para assinar o acordo com o
gestor público. Isso abre um caminho que alguns usam para fraudar.
Claudia Gomes é diretora da Cooba, Cooperativa Baiana de Saúde, contratada por sete municípios, inclusive Araci.
O repórter pede que a executiva tome por base um hospital com folha
salarial de R$ 500 mil e quer saber qual seria o valor total do
contrato. Cláudia soma a folha, os impostos e a taxa administrativa da
cooperativa.
Claudia: O contrato seria no valor de R$ 735 mil: R$ 500 mil é de
folha. A gente paga a folha, o resto a gente paga de imposto e tem 7% da
taxa administrativa.
E ela faz uma proposta ilegal: “Desse valor aqui, se você quiser, dá para a gente botar 10% em cima de cada contrato”.
É como se fosse uma “taxa de indicação”. Em português claro, propina.
Claudia: 17%: 7% da cooperativa e 10% para a parte da pessoa que
fizer a indicação, tipo você, entendeu? Vamos fazer uma parceria minha e
sua. Os municípios que você indicar que a gente fechar, eu fico com a
parte de 7% e você com a parte de 10%.
Um contrato assinado em abril entre a prefeitura de Araci e a Cooba é de R$ 4,25 milhões.
Visitamos os sete postos de saúde da família instalados nos povoados da zona rural de Araci.
No povoado de João Vieira, segundo a cooperativa, tem um médico
trabalhando 40 horas por semana. Mas a sala de atendimento está vazia,
não há ninguém no consultório do médico – nem atendente, nem enfermeiro.
A cem quilômetros de Araci, reencontramos Cláudia Gomes, que não quis
dar entrevista. O marido dela, Alessandro Queiroz, é o presidente da
cooperativa.
Repórter: A cooperativa não paga comissão, nem propina nenhuma?
Alessandro: Não, de forma alguma, isso não existe.
Damiana teve uma crise de hipertensão quando estava no posto e, só
por isso, acabou sendo atendida pelo médico. A boa notícia é que os
exames dela estão ok.
Fraude na saúde
As cooperativas contratadas pelas prefeituras para fazer a gestão da
saúde pública não podem ter fins lucrativos. É o que a lei diz, mas no
Brasil real…
Mário Luciano Rocha é diretor da Coopersaúde, que atua em 15 municípios da Bahia.
O repórter diz a Luciano que dispõe de R$ 750 mil mensais para a
gestão de um hospital de porte médio. O diretor da cooperativa diz que
dá para gastar menos e embolsar a diferença.
Luciano: A gente sabe que dá para tocar isso com uns R$ 500 mil. Essa
diferença você tem uma parte, dividiria com a gente uma parte da
rentabilidade.
O repórter pergunta, então, sobre a prestação de contas com a Receita Federal.
Repórter: Como é que fica essa questão fiscal de vocês? Isso é problema de vocês, né?
Luciano: É nosso. Se incomode não que a gente tem mecanismo em relação a isso, empresas e tal.
E o executivo garante que a propina chega ao gestor público 48 horas
depois de a cooperativa receber a verba prevista em contrato.
Luciano: Em 48 horas, 72 horas.
Repórter: E como seria esse repasse?
Luciano: Cash.
O Fantástico foi ao município de Candeias, onde o atendimento é
administrado pela Coopersaúde. Conhecemos Jaqueline e Josenilton. A
filha deles está doente. Nós marcamos o tempo da consulta da filha de
Jaqueline e Josenilton: três minutos e meio.
Mãe: Demorou para chamar, para atender. E quando atendeu, foi rápido.
Repórter: Uma consulta que dura 3 minutos e meio de uma criança pode ser considerada completa?
Marambaia: De jeito nenhum.
A afirmação é de quem há 37 anos exerce a medicina como manda o código da profissão.
“O pediatra é um herói, porque ele consegue discernir através do
choro e do muxoxo da criança o que muitos médicos não conseguem fazer”,
destaca o especialista Otávio Marambaia.
No escritório de salvador, o diretor da Coopersaúde explica que os médicos da cooperativa ganham por consulta.
Luciano: Cada consulta, são R$ 25. Se ele vai atender 40 ou vai atender 80, é só multiplicar o número pelo valor da consulta.
Mas o presidente da Coopersaúde, Paulo Rocha, nega que pague aos médicos da cooperativa de acordo com o número de atendimentos.
Consultas a jato
Consultas a jato, em muito menos tempo do que seria necessário, são um
problema que os repórteres do Fantástico encontraram também no estado de
São Paulo.
Mãe e filha entram no consultório na região metropolitana de São Paulo e deixam a sala 1 minuto e 23 segundos depois.
Na ortopedia, é a mesma coisa. Uma paciente entra no consultório. No
lado de fora, Leonilda espera de pé a vez de ser atendida. Ela se queixa
de dor na mão direita, que está sem os movimentos normais. Apenas 2
minutos e 44 segundos depois, a porta se abre, fim da primeira consulta.
Chega a vez de Leonilda.
O médico olha para a mão de Leonilda enquanto ela explica o problema
que a levou até ali. Ele não toca na paciente. Apenas aponta com a
caneta e diz alguma coisa. Foram 12 segundos. Durante apenas 12
segundos, o médico olhou para a paciente e só para a mão dela. Outros 52
segundos, ele usou escrevendo no receituário. Leonilda esperou em pé.
Tempo total da consulta: 1 minuto e 4 segundos.
“Saber quem é você, de onde você veio, fatores que lhe pioram,
melhoram, o que você já fez para tratar aquela doença. Eu só posso
descobrir isso conversando com você. Se chega uma pessoa com queixa de
uma articulação, um minuto convenhamos, é quase divino, é quase uma vara
de condão. Isso não é medicina”, alerta Marambaia.
Cooperativas Clandestinas
As cooperativas podem ter em seus quadros apenas profissionais de saúde.
Quando uma prefeitura precisa de profissionais de apoio ou de
equipamentos, deve procurar as organizações sociais – as OSS – que
também não podem ter fins lucrativos.
O repórter Eduardo Faustini, que se passa por representante de
prefeituras, recebe o presidente e a diretora de outra grande
cooperativa da Bahia, a Coopermed.
Juciara: 60% do efetivo médico da secretaria do estado é nosso.
Repórter: Qual estado?
Juciara: Bahia.
Nesse encontro, o repórter diz que precisa terceirizar a gestão plena
dos municípios que ele estaria representando. A proposta não poderia
ser aceita por uma cooperativa. Para garantir o acordo, a Coopermed
revela que pode fornecer uma OS.
Juciara: Enquanto Coopermed, nós teremos disponibilizado pra você mão
de obra médica. Quando você abriu aí a informação que você está
procurando parceiros, inclusive se for na gestão com um todo, de unidade
de saúde, nós temos uma irmã e nós fazemos parte, a Coopermed, que é a
Fundação Casa do Médico.
No segundo encontro, apenas a executiva vai ao escritório e revela que trabalha na cooperativa e também na organização social.
Juciara: Eu sou Juciara, executiva de negócio deles.
Repórter: Da fundação?
Juciara: Da fundação.
Para conseguir o contrato, Juciara garante que o presidente da fundação não vai se opor ao pagamento de propina.
Juciara: Para a gente ter acesso a essas prefeituras tem alguém nos
bastidores fazendo isso pela gente. E isso tem um preço, isso tem um
custo.
Repórter: Mas é difícil para ele entender isso?
Juciara: Não. Eles são empresários da saúde. Eles são donos de hospitais, de clínicas. São empresários da saúde.
Entrevistado depois das gravações com câmera escondida feitas no
escritório, o presidente da Coopermed negou que a cooperativa atue em
parceria com uma organização social.“Não tivemos até o momento nenhuma
vinculação com qualquer organização social”, disse.
Mostramos três cooperativas registradas no Conselho Regional de
Medicina. Mas há também aquelas que não têm nem mesmo o registro exigido
por lei. Um médico já trabalhou para cooperativas clandestinas.
Médico: Já recebi cheque de posto de gasolina.
Repórter: Não era cheque da cooperativa?
Médico: Não.
A Cooperlife não tem autorização para atuar.
Repórter: Vocês só atuam nos municípios que não exigem o registro do conselho?
Secetário: E são vários municípios que não exigem, entendeu?
Manoel Vitorino, na Bahia, é um dos 21 municípios onde a gestão da saúde é da Cooperlife.
Carmen é a zeladora do posto de saúde da cidade. Tem salário pago
pela Cooperlife de R$ 435. Por lei, nenhum trabalhador pode ganhar menos
de um salário-mínimo.
“Não tem outro emprego, se eu for ficar em casa eu vou viver de quê?”, ela diz.
A Pró-Saúde, do empresário Marco Polo, é outra cooperativa sem registro no Conselho de Medicina.
Repórter: Eu queria falar com o doutor Marco Polo.
Mulher no interfone: Não está. Estão viajando para Salvador.
O município de Tremedal, também na Bahia, tem contrato com a Pró-Saúde, ou melhor, tinha.
Repórter: Se eu lhe disser, prefeito, que essa associação não tem registro no conselho regional?
Prefeito Márcio Ferraz: Eu vou providenciar para ser apurado e ser
punido. Se está errado, a primeira coisa a se fazer é cancelar o
contrato.
No dia seguinte, o prefeito de Tremedal chamou a nossa reportagem e rescindiu o contrato.
Repórter: A prefeitura não vai mais atuar com essa cooperativa.
Prefeito: Não. A partir de hoje, não.
O Ministério da Saúde prevê a suspensão dos recursos quando a fraude fica comprovada.
“O papel do Ministério da Saúde no caso das gestões municipais é um
papel de monitoramento, fiscalização e eventualmente de suspensão de
recursos quando se constata desvios ou malversação de recursos. É
inadmissível que os recursos que sejam transferidos pelo Ministério da
Saúde possibilitem essas questões que vocês estão levantando nesta
matéria”, alerta Fausto Pereira dos Santos.